quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Os celtas e a espiritualidade


Sobre a espiritualidade desse povo, sabemos que era centralizada na figura do druida. O poder dos druidas era sagrado e superior ao poder dos reis,  e eles desempenhavam não apenas a função de sacerdote/curandeiro da tribo, como também eram juízes, conselheiros dos reis, videntes, poetas e professores. 

A religião dos celtas, o druidismo, era toda baseada na sacralidade da Natureza e em seus ciclos, como também  no animismo (crença de que tudo tem alma), no culto aos ancestrais e no totemismo (espíritos ancestrais que assumem a forma de animais). Vemos aí um forte apelo xamânico no druidismo: todas as espiritualidades xamânicas possuem essas práticas e crenças mencionadas em comum.

Os celtas eram politeístas, isto é, acreditavam em múltiplos deuses e deusas. As divindades eram normalmente associadas às forças da Natureza ou à paisagem, como já foi mencionado. 

Em alguns casos, porém, mitos de deuses se confundem com histórias de reis, rainhas ou heróis que podem ter realmente existido, o que sugere a deificação de uma personagem muito importante da história celta. É o caso de Maeve, a poderosa rainha no famoso mito “O Roubo do Gado de Cooley” (Táin Bó Cuailgne), mas que também é considerada uma grande deusa celta, personificando a soberania da Terra, uma mulher/deusa indomável, com muitos maridos e amantes, senhora de seu destino (como era característico das mulheres celtas). 

Maeve é uma figura marcante e que facilmente se transforma em deidade.

Mencionamos anteriormente a constante do número três na cultura celta. Sabemos que eles tinham a noção do ser vivo ser tripartido em corpo, mente e espírito. Também tripartido era o universo, onde identificamos três mundos: o mundo superior (morada dos deuses indomáveis, as grandes forças da Natureza), o mundo médio (nossa morada) e o mundo inferior (morada dos ancestrais e espíritos da Natureza). Inferior aqui significa apenas “o que está abaixo”, sem nenhuma conotação negativa, uma vez que para os celtas não havia a noção de céu e inferno, de punições ou pecados. Esses três mundos estavam entrelaçados e ainda mais próximos em épocas especiais do ano (samhain e beltane). O nosso “mundo médio”, por sua vez, também era tripartido em três reinos: do céu, da terra e da água, cada um parte de um todo, a Terra.

Encontramos aí a explicação do uso constante dos trikles pelos celtas. Triskles são símbolos pré-celtas que mostram três espirais unidas por uma origem comum, ou ainda uma figura entrelaçada sem começo ou fim, com três pontas. Essas figuras mostram que os três elementos são parte de um todo e estão presentes em inúmeros monumentos em terras celtas, monumentos esses construídos antes da chegada dos celtas a essas terras, mas que certamente lhes provocou identificação.

Seus inúmeros deuses eram como tudo na Natureza (inclusive humanos): não eram apenas bons ou apenas maus, mas possuíam tanto potencial para o bem como para o mal. Não havia a dicotomia de que estamos acostumados, mas sim o equilíbrio de forças negativas com positivas. Os deuses podiam ser ao mesmo tempo benevolentes e cruéis: assim como uma chuva que cai sobre a Terra pode ser uma benção quando os campos estão ressequidos ou então uma desgraça quando causa enchentes e destruição.

Vale citar mais uma vez as palavras de Pedro Pablo G. May: “(para os celtas) entre o dia e a noite existe a hora indeterminada , no alvorecer ou no crepúsculo, quando é mais fácil estabelecer contato com os seres sobrenaturais; entre o branco e o negro há muitos matizes de cinza; (…) e entre a vida e a morte, entre o ciclo de vidas e mortes, está o Outro Mundo, o lugar em que a alma descansa (…) antes de dar continuidade a sua grande e eterna aventura.”

Os celtas não temiam a morte, uma vez que para eles, esta era apenas uma pausa na espiral da vida (o tempo para eles não era linear, mas circular), um momento de preparo e descanso para um posterior renascimento. Essa crença era também baseada na observação da Natureza, onde o inverno seria o período de recolhimento e descanso para possibilitar a chegada da primavera com vigor e fertilidade. Também temos aí um paralelo com o ciclo do dia: o dia “morre” ao pôr-do-Sol, segue-se um período de descanso na noite para depois o dia renascer pleno ao nascer do Sol.

É importante acrescentar aqui que eles não eram reencarnacionistas nos moldes kardecistas, pois não haviam leis espirituais ou um carma operando na alma e determinando seu destino ou punição, havia apenas as leis naturais de nascer-viver-morrer-nascer.

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